Um pequeno observador da natureza hoje, tanto pode ser um poeta ou um cientista amanhã. E talvez você só seja feliz se deixá-lo ser livre pra escolher ser os dois, ou nenhum dos dois.
Por Adriana Teixeira 14/set/2013 09:58
Quando estava grávida do nosso primeiro filho, gostávamos de conversar sobre os ensinamentos que passaríamos a ele. Nada muito elaborado: eu queria que o pai ensinasse a gostar de futebol, jogar botão, plantar bananeira debaixo d’água. Ele gostaria que eu ensinasse os nomes das flores, amar filmes clássicos e apreciar frutas. Nessa nossa brincadeira de casal estávamos falando, sem saber, dos talentos apreciados mutuamente e de como desejaríamos que essa nossa capacidade de contentar-se com pequenas coisas fosse passada aos nossos filhos, como herança genética. Mas, será que isso a gente consegue, como pais, ensinar aos filhos os nossos talentos? O talento como habilidade física ou intelectual, acho que não. Tenho amigos esportistas que lamentam a falta de habilidade de seus herdeiros com a bola. E não só lamentam, mas esbravejam na beira da quadra da escola, dando uns berros indecentes como se fossem técnicos do filho! Conheço músicos que não se cansam de oferecer aos filhos novos instrumentos, de sopro, de corda, de percussão, na expectativa que uma hora, de algum deles, saia um dó-ré-mi. E conheço gente como eu, que tem tanto horror de achar que está pressionando os filhos a descobrirem sua vocação, que foge das escolinhas de esporte, das aulas de iniciação musical, dos cursos personalizados para crianças.
Desconfio que erramos todos, na abordagem. Talento é aquele que nasce com a gente, sim. Mas tem o talento que desabrocha depois. Aquela habilidade que vai se revelar em um momento de precisão, de melhor oportunidade, e que pode ser até que precise de espaço próprio para aparecer. Longe dos pais. A cantora Maria Rita, filha da Elis Regina, já tinha uma voz espetacular aos 15 anos, quando a conheci, mas pavor de cantar. Soltou a voz anos depois, primeiro em outro país, longe das comparações com a mãe famosa, em paz para permitir que seu talento desabrochasse. Outra coisa é a vocação da alma, o espírito humano, o talento como dom. Nesse caso, acredito que nós, pais, podemos (e devemos) direcionar a herança. Mostrar-lhes como descobrir seus talentos em pequenas coisas, suas marcas pessoais pela vida afora.
A Bruna, por exemplo, é uma observadora nata. Faz um caminho de carro uma vez e consegue decorar detalhes da paisagem com precisão. Digo a ela que é meu GPS particular. E ela fica tão feliz e acredita tanto nisso que se aperfeiçoa espontaneamente. Seu talento para observar, quem diria, hoje em dia ajuda na hora de fazer uma redação, que fica muito mais rica em descrição. Detalhe: a Bruna não gosta de escrever, mas gosta de desenhar. E vejo que pode descobrir, no tempo dela, como seu dom com tintas e pincéis pode ajudá-la com letras e palavras. O que a gente não sabe, quando confabula sobre o futuro dos filhos, é o quanto temos a aprender com eles, primeiro no presente também.
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