Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do rei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibição de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grande castelo. Em volta da arena erguiam-se as arquibancadas, encimadas por altos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas damas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzela Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu lado estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo amor ela desdenhava, distante e fria.
Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal. Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.
Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:
"Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva."
O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente.
A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso cheio de promessas, falou:
"Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges."
Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.
E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.
Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky
Ilustrado por Maria Eliana Delarissa
Desvende os segredos de um bom texto
Analisando os recursos utilizados por Tatiana Belinky, você pode ensinar a turma a controlar melhor os efeitos que pretende causar nos leitores
Que texto bonito! É o que vem à cabeça do leitor que chega à última linha do conto de Tatiana Belinky. Que segredos tem um escritor para criar este efeito de magia? Serão poderes especiais conferidos a poucos privilegiados? Claro que não. Seguindo a proposta de aula elaborada por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, é possível mostrar aos alunos os recursos da língua para criar efeitos e, assim, montar uma bela narrativa. E, na seqüência, convidá-los a criar, eles mesmos, uma história.
Comece pedindo à turma que imagine o que acontecerá num conto que tem como título A Luva. Dê tempo para que todos falem. Peça que observem as ilustrações, especialmente as cores e os traçados. Que sensação eles provocam? O ilustrador quis transmitir a ideia de leveza? De tempos antigos? As indagações são um exercício para que todos aprendam a ler imagens, uma competência importante, que deve ser desenvolvida desde cedo.
Depois, faça a leitura em voz alta, com expressividade, colocando entonação especial nas palavras. Esses momentos costumam ser mágicos, tanto para o professor quanto para os estudantes. Peça que eles também leiam, desta vez sozinhos, em silêncio, cada um saboreando as palavras a seu modo. Pergunte quem gostaria de ler, em voz alta, para todos os colegas, na aula seguinte. Enfatize que leitura em público exige preparação e ensaio.
Como próximo passo, analise com a classe as atitudes dos protagonistas, a donzela Cunegundes e o cavaleiro Delorges. Peça que opinem e justifiquem suas idéias, num exercício de argumentação. Pergunte que nome atribuiriam às atitudes da moça: orgulho, soberba, vaidade, tirania... Aproveite para discutir o comportamento humano. Lembre a turma que há um gênero literário que apresenta formas de conduta humana representadas por animais — a fábula —, e faça a seguinte pergunta: Cunegundes poderia ser comparada ao pavão da fábula "O Corvo e o Pavão" ?